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domingo, 20 de julho de 2008

Ahmad Batebi conta como o Irã trata seus dissidentes

IRÃ (3º) - O iraniano Ahmad Batebi atingiu a fama em 17 de julho de 1999, ao aparecer na capa da revista "The Economist" segurando a camiseta ensangüentada de um colega manifestante – uma imagem que ele viu pela primeira vez no dia em que um juiz iraniano lhe deu uma bofetada e disse: “Você assinou sua própria sentença de morte.” Depois de uma década de combates políticos, oito anos em prisões iranianas, torturado e duas vezes levado à forca e enrolado à corda, Ahmad Batebi escapou e decidiu abandonar o Irã para um exílio incerto.
Atualmente, exilado nos Estados Unidos desde 24 de junho, e após várias longas entrevistas para publicações como a “The Economist” e o “The New York Times”, Ahmad Batebi ofereceu uma visão incomum do Irã sob o comando de religiosos islâmicos que impõem um regime de opressão, controle e tortura sobre os seus próprios cidadãos e que nos dá uma boa idéia do que a minoria cristã tem enfrentado nesse país. Qualquer pessoa que se opõe ao regime islâmico está sujeita a passar o que este homem passou. Acompanhe os momentos mais marcantes:A primeira execução que assistiuO desprezo de Ahmad Batebi pelo regime começou quando tinha nove anos, quando testemunhou um apedrejamento fatal. Depois da revolução islâmica de 1979, seu pai, burocrata aduaneiro que perdeu a popularidade com o regime do xá, se recusou a participar das Guardas Revolucionárias. Sua mãe, professora primária, ensinou a ele e a seus irmãos mais novos um islã leve, baseado na regra de ouro, que tinha pouco em comum com a teologia hostil dos aiatolás. Seu próprio despertar começou na quarta série, quando seu professor, farto das distorções de um livro didático oficial de história, explodiu: “Vão lá fora e leiam outras coisas para tentar chegar à verdade”. “O professor provavelmente nem se lembra”, disse Batebi. “Mas ele mudou o curso da minha vida.” Despertando para a verdadeAlgumas semanas depois, foi o apedrejamento. Apesar de sua mãe ter proibido, ele fugiu de casa para ver a comoção perto da escola. Ele viu um homem, acusado de adultério, enterrado até a cintura, sua cabeça coberta com um saco que ia ficando vermelho à medida que os Guardas Revolucionários arremessavam blocos de concreto. Um mulá que estava em cima de um muro dava as ordens, e uma multidão ambivalente de vizinhos observava. “Fiquei extremamente chocado”, ele se lembra. “Minhas mãos e minhas pernas tremiam”. Mais tarde, Ahmad passou a ter pesadelos. Anos depois, ele presenciaria enforcamentos públicos e mutilações. “Mas nada teve o impacto do apedrejamento”, ele disse. “Pensei: isso não pode ser o islã.” Na Universidade de Teerã, nos anos de 1990, Ahmad Batebi abraçou os estudos de fotojornalismo e fez cerca de 20 curtas com temas existencialistas, geralmente com sua própria guitarra como trilha sonora. Ele também participou de protestos estudantis e foi preso por três vezes.
A passeata e a foto que circulou pelo mundoOs protestos explodiram em 1999 no que ficaria conhecido como 18 Tir, como 8 de julho é chamado no calendário iraniano. Ahmad Batebi, ocupado com seu filme-tese sobre dependência de drogas, tropeçou nos manifestantes e se juntou a eles. Quando a polícia disparou contra a multidão, uma bala atingiu um jovem próximo a Batebi, que rasgou a camisa do estudante para tentar estancar o sangue. Depois de carregar o rapaz ferido para uma clínica improvisada, ele segurava a camisa para alertar os demais estudantes sobre o perigo de marchar em público. Um fotógrafo registrou o momento. Ahmad Batebi já estava na prisão quando a "The Economist" publicou a foto, colocando-o num perigo ainda maior. Quando o juiz que ouvia o caso lhe mostrou a revista, ele reagiu com um misto de medo e orgulho. “Primeiro, fiquei chocado e com medo”, disse. “Mas então pensei que mesmo que eles me matassem, já tinha dado um grande golpe no regime. Se aquela revista não publicasse, outras a fariam.” Dias na prisãoAhmad Batebi passou 17 meses de confinamento na solitária, incluindo sucessivas torturas por interrogadores que o obrigavam a dizer na televisão que a famosa camiseta estava manchada de tinta ou sangue de animal para sustentar a tese de "armação". Seus carcereiros o espancavam com um cabo de metal, batiam em seus testículos e chutavam seus dentes, ele contou. Eles seguravam a cabeça de Ahmad Batebi em uma poça de excrementos. Depois amarravam seus braços atrás das costas e o penduravam no teto. Outras vezes, o amarravam em uma cadeira, depois o mantinham acordado noite após noite, ferindo-o e esfregando sal nas feridas. Levado à forcaPor duas vezes, ele foi levado encapuzado para a forca. Uma vez a corda foi deixada em seu pescoço por 45 minutos, e ele desmaiou de medo, lembra-se. Na segunda vez, ele sentou, esperou, enquanto um prisioneiro de cada lado seu era enforcado. A foto que tanto enfureceu as autoridades pode ter salvado Batebi, à medida que aliados de todo o mundo abraçaram sua causa. Sua sentença de morte, por “agitar pessoas para criar perturbações”, foi reduzida, primeiro para 15 anos, depois para 10. Ano passado, depois que Batebi sofreu o que provavelmente foi um derrame e vários ataques de convulsão, ele foi liberado para tratamento médico. Em março, foi mandado de volta à prisão. Ele sabia que seus aliados queriam que ele mantivesse a luta mesmo atrás das grades, mas ele estava esgotado. “Não podia fazer mais do que eu já tinha feito”, disse. “Todo mundo precisa de uma vida.”
Como conseguiu fugirEm uma sala de bate-papo do Yahoo, em 13 de março, Ahmad Batebi entrou em contato com Mazahery, a advogada, que ele soube ter ajudado outros iranianos a entrar nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, por intermédio de uma ligação feita na prisão, ele pediu ajuda ao clandestino Partido Democrata Curdo do Irã. Com muitas precauções, as organizações clandestinas curdas o levaram até a fronteira – ele não diz exatamente onde. Então outro grupo de cinco homens assumiu o comando. Em 20 de março, quando os guias de Batebi o entregaram a novos guias curdos no Iraque, disse, ele não sentiu euforia. “De repente, fiquei com muito medo”, ele disse. “Eu era como um bebê separado da mãe chegando a um mundo totalmente desconhecido.” Quando seu vôo de Viena pousou no Dulles Airport na Virgínia no fim de junho, Batebi ficou impressionado ao ver que o funcionário do aeroporto acenando para o avião entrar na garagem era uma mulher muçulmana usando um lenço apertado na cabeça. O desejo de ver o país transformadoAhmad Batebi ficou fascinado, sentindo uma tolerância casual que era exatamente o que ele buscava em seu próprio país. “Para mim, parece que as pessoas aqui são livres para viver suas vidas, desde que não prejudiquem ninguém”, disse.

Ahmad Batebi agora fala de trabalhar de longe por mudanças pacificadoras no Irã. Ele revida quando é questionado sobre a possibilidade da ação militar norte-americana contra o Irã, dizendo que se os Estados Unidos atacarem, “posso voltar e lutar pelo meu país com minhas próprias mãos”. Ele tem objetivos comuns, os sonhos de um homem que passou grande parte de sua juventude em uma cela de prisão. Ele quer estudar política e sociologia, disse, e trabalhar como fotojornalista. Quer tocar guitarra. Pensou por um momento, depois se lembrou de mais uma pequena ambição. “Quero pescar!”, disse, com um sorriso relaxando seu rosto. “Eu vou pescar!”(Texto acrescido de informações do "The New York Times")
Tradução: Tsuli Narimatsu
Fonte: The Economist

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