EGITO (19º) - Uma cristã copta do Egito foi sentenciada a três anos de prisão por não confirmar sua identidade islâmica – uma identidade que ela, há mais de quatro décadas, não sabia ter. As irmãs Shadia e Bahia Nagy El-Sisi, ambas no fim de seus 40 anos de idade e moradoras de uma pequena cidade do Delta chamada Mit-Ghamr, foram presas e levadas a julgamento por afirmarem que sua identidade religiosa oficial é cristãs.
Suas identidades religiosas, até então desconhecidas para elas, foram mudadas há 46 anos, devido à conversão do pai delas ao islã. As duas são analfabetas. Shadia foi julgada por declarar o cristianismo a sua religião oficial em sua certidão de casamento e sentenciada a três anos de prisão em 21 de novembro de 2007.
Ela foi liberada dois meses depois. Mas no último dia 23 de setembro, um juiz condenou sua irmã Bahia a três anos de prisão por “falsificar” sua certidão de casamento ao declarar sua religião como cristã. O pai delas, Nagy El-Sisi, se converteu ao islã em 1962, durante um litígio matrimonial, apenas com a finalidade de se divorciar de sua esposa e ganhar, potencialmente, a guarda das filhas, contou o advogado das irmãs, Pedro Ramsés, ao Compass.
A lei egípcia é influenciada pela jurisprudência islâmica (sharia), que concede automaticamente a guarda dos filhos a qualquer um dos pais que tenha uma religião “superior”, e prescreve a ordem de “nenhuma jurisdição de um não-mulçumano sobre um mulçumano”. Se a identidade de Bahia como uma mulçumana continua válida, então seu status religioso poderia potencialmente exigir a conversão de seu marido – caso contrário, o casamento seria anulado. Seus filhos, igualmente, seriam registrados como mulçumanos.
As duas irmãs são casadas com cristãos. “Todos os seus filhos e netos seriam registrados como mulçumanos”, disse o advogado Pedro. “[A decisão judicial] afetaria muitas pessoas.” Outras fontes dizem que é muito cedo para determinar o destino do casamento e das famílias das irmãs, já que nenhum dos casos chegou ao fim. “Mas eu sou uma cristã” Poucos anos depois de sua conversão, Nagy retornou para sua família e para o cristianismo. Ele buscou a ajuda de um empregado mulçumano no Cartório de Registro Civil, Ramadan Muhammad Hussein, que concordou em falsificar seu documento de identidade.
A volta de um convertido ao islã para o cristianismo é praticamente impossível nos tribunais egípcios. As irmãs descobriram que tinham sido registradas como mulçumanas quando Hussein foi preso por falsificação em 1996 e confessou ter ajudado Nagy a obter documentos falsos três décadas atrás. Depois, Nagy foi preso. De acordo como o jornal Watani, quando as duas irmãs o visitaram na prisão, elas foram provisoriamente presas e acusadas de falsificar seus documentos. Um tribunal criminal deu a elas a sentença de três anos de prisão in absentia em 2000.
Shadia foi presa em agosto de 2007, três dias depois do casamento de seu filho. Sua primeira audiência foi em 21 de novembro do mesmo ano, no tribunal criminal de Shobra El-Khema. Ela afirmou não ter a mínima idéia acerca de sua suposta conversão ao islã, mas o juiz Hadar Tobla Hossan a condenou a três anos de prisão. De acordo com Watani, confrontada com a sentença, Shadia continuou a repetir:
“Mas eu sou uma cristã, eu sou uma cristã”. Ela ficou na prisão até o dia 13 de janeiro de 2008, quando o promotor-geral Abdel Meged Mahmood fez a retratação da sentença, pois Shadia não tinha sido advertida de sua conversão. O grupo de defesa “Egípcios contra a discriminação” também pressionou o judiciário por meio de um abaixo-assinado para libertá-la da prisão.
Em seguida à prisão de sua irmã, Bahia passou a se esconder, mas reapareceu depois da libertação. Especialistas legais acreditam que, quando o caso de Bahia estiver diante do Supremo Tribunal, sua sentença será retratada como foi a de sua irmã, uma vez que seus casos não têm fundamentação legal. No entanto, na manhã de 5 de maio de 2008, a polícia prendeu Bahia e a manteve presa até sua audiência em 20 de junho, depois do que ela foi solta para aguardar o veredicto.
No dia 23 de setembro, ela foi sentenciada a três anos de prisão por “falsificação de um documento oficial”, já que sua certidão de casamento apresenta sua religião como “cristã”. Bahia havia se casado anos antes de ter conhecimento acerca da conversão temporária de seu pai. O advogado Pedro apelará ao Supremo Tribunal do Egito nesta semana. Ele disse que teme que o caso possa corroer ainda mais a precária situação das minorias religiosas no país. A população de 79 milhões do Egito é de maioria mulçumana.
“Como o governo pode dizer para [uma pessoa] que tem vivido como cristã há 50 anos que ela deve se tornar mulçumana, que seus filhos devem ser mulçumanos e que toda a sua família deve ser mulçumana?”, disse ele. “Isso é muito importante para a liberdade religiosa.” A Constituição do Egito garante a liberdade de crença e prática religiosa para a minoria cristã do país, que compõe 10% da população.
O islã, no entanto, é a religião do Estado e influencia fortemente o governo e o sistema judiciário. Este caso é um exemplo da pressão social colocada sobre os egípcios não-mulçumanos para se converterem quando um dos pais abraça o islã, apesar de a Constituição garantir igualdade, disse Youssef Sidhom, diretor-chefe do Watani. “Este é um ambiente doentio que lutamos para mudar”, afirmou Youssef.
“De acordo com o que tem acontecido aqui, a liberdade é protegida e concedida a cristãos que se convertem ao islã, enquanto que o inverso não é concedido”. Os tribunais egípcios continuam a discriminar cristãos que têm um dos pais mulçumano, segundo os relatórios dos direitos humanos, uma vez que o judiciário não dá nenhuma outra escolha a eles, a não ser de se converterem ao islã.
Em 24 de setembro, um tribunal de Alexandria concedeu a guarda de gêmeos cristãos de 14 anos ao pai mulçumano, embora eles tenham dito que eram cristãos e que queriam ficar com a mãe (leia mais). A lei civil egípcia permite a guarda da criança para a mãe até a idade de 15 anos.
Tradução: Helena Maria Silva
Fonte: Compass Direct
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